terça-feira, 26 de abril de 2011

Writing my book

- Eu gosto do sussurro, do toque apressado da tua vontade, eu gosto quando é muito silêncio e dá pra ouvir a respiração ofegante, sentir a mão pesada tentando se pendurar no precipicio do meu corpo. Do sorriso do desdém, do clima úmido que habita os meus braços. Eu gosto do teu gosto, eu me sinto em casa. Tão seguro, tão meu.

Acordou de repente às 5:43 da manhã e descobriu que estava atrasado demais pra poder tomar o café direito. O trânsito das 6 horas não o acalmaria em dizer que não estaria diferente.
- Não deu tempo de nada, aquela mulher me domina, Deus me livre, eu preciso de flores, vou passar na floricultura depois do trabalho, eu preciso muito dela, louca, gostosa, lúcida, eu preciso.
Não teve tempo nem de tomar banho, os dentes fora cuspidos um enxaguante bucal com gosto de menta fresca. A roupa foi a que estava pendurada e foi mal passada mesmo.

Desceu do carro com o pensamento nela. Deu bom dia ao porteiro querendo estar nos braços dela. Digitou o relatório desejando o toque das mãos dela.
O que era ela para ter causado tal devastação em todos os lugares? Ela mudou o gosto do café, ela mudou o tom de voz.
Chegou em casa com flores, ligou para o Hizen, correu pro banho. Tirou a roupa, lavou rapidamente o rosto na pia. Virou-se para puxar a toalha esperando o chuveiro esquentar.. O espelho refletia as tais palavras que não lhe saiam da cabeça.

" - Eu gosto do sussurro.." Escritos nas costas. Ela havia escrito enquanto ele dormia.
- Então foi isso, aquelas ultimas palavras antes de partir, foi isso que ela havia dito.

Quem era ele? Ele trabalhava em uma editora de livros, era jornalista, e a conhecia do bar, na noite anterior, prima de um amigo, olhar sedutor, cabelos pretos e belas pernas, resumindo, tudo que lhe prendia o ar.
Ela era psicóloga, escritora nas horas vagas, adorava chá gelado e homens com barba por fazer. Era independente, intensa, entregue.
Haviam chegado no bar justamente para serem apresentados, às 7 da noite, 5 horas de conversa revelaram que aquilo iria ser mais que sexo ou 2 meses de encontros. Era como se já se conhecessem há anos, tinha uma confiança totalmente inaceitável. 5 horas e meia depois estavam no apartamento dele discutindo as bandas de rock dos anos 50 que ambos gostavam, ele mostrou a camiseta predileta dos Beatles e ela disse que tinha uma igual. Ele pegou duas taças de vinho, a música parou de repente, o cd estava velho demais para continuar a estragar o obvio clima de entrega e de magnetismo. Pareceu que só faltava o silêncio para eles se agarrarem no tapete de camurça da sala de estar. Cedo, antes mesmo dele acordar, ela havia penteado o cabelo com seu pente, vestido a roupa, achado a chave, chamado um táxi e ter partido.

Ligou para o número que tinha anotado no bar.
- Alô, oi, é, é, a Alice?
- Oi Paulo, sou eu sim.
- É, então, Alice, eu consegui a reserva pr'aquele restaurante de comida árabe que você disse que gostava ontem.
- Pra hoje? Mas que amor! Olha, eu sai muito cedo, tive que ir trabalhar..
- Sim, te pego às 8 ai no trabalho, pode ser? Olha, você me disse como era, sem perguntas, sem pressão!
- Pode, é claro.. Tudo bem.
- Alice.. outra coisa, sobre ontem, eu lembro de.. Você escreveu nas minhas costas?
- Conversamos sobre isso depois, tudo bem? Até lá.
- Até.

Parou em frente ao endereço do seu trabalho, onde tinham amigos em comum. Ela, ela estava linda. Entrou no carro, sorriu e disse:
- É um fetiche.
- Oi? Como?
- É um fetiche meu, eu não lhe disse que gostava de escrever vezenquando?
- Escrever? No corpo?
- É, no teu corpo, me senti em casa, e aquelas palavras saíram, eu criei para serem escritas justamente no teu corpo.
- Vou escrever também, no seu, vou escrever do teu pescoço aos pés e tu será meu livro mais belo, bela capa, escreverei.
Ele fingia ter toda essa extroversão e falta de vergonha como era dela.

- Não quero que você ache que sou uma maluca, é um desejo, sempre tive.
Ele ajustou e retrovisor, puxou o cinto e deu um breve sorriso safado.

Jantaram, ele a levou de volta para seu apartamento. Lhe despiu, pegou uma caneta e começou a escrever em sua nuca, a fazia virar, espiral. Ela pediu para ler em voz alta para que pudesse continuar a história depois, no corpo dele, e a outra noite ele continuava, e ela... Enquanto estivessem juntos, haveria uma nova história.
Escreveram sete livros, tiveram mais de mil noites de amor. Só eles sabiam a história. No suor as letras se apagavam. A voz dela doce, linda. Não era fim, que terminava o livro. Era " espere continuação".


- pensei no filme Budapeste

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Fortaleza, 2 abril de 2011

Há 8 anos não havia voltado àquele lugar..
Pegar esse voo em direção ao seu inicio seria mais fácil com menos lembranças, pensou. A maresia não a surpreendeu mesmo se sentindo estrangeira em sua cidade natal. Os lugares, um pouco deplorados do que se lembrava, as pessoas mais velhas, as crianças crescidas.. Tudo havia mudado. Num instante pôde perceber que ali não era mais onde ela se sentia em casa. A pronuncia dessas palavras doeram mais que toda a saudade que haveria depois da partida.
Passou em frente à sua antiga escola, lágrimas cairam pelo carinho que sentia ao lugar em que foi acolhida. Quanto à antiga casa, a coragem de visitar não se manifestou, andou por perto, pela rua, mas preferiu manter intacta a imagem daquele lar sendo o seu, com as cores originais e nenhuma mudança no jardim suspenso pelo qual corria e sentia o cheiro de vida, na infância. Lembrou que havia marcado as iniciais no pé de pitanga perto da cozinha lá de fora. Saudade, suspirou.
A praia foi o mais dificil, a sensação de liberdade, a vontade de se deixar levar pelas ondas e ver aonde ia parar.. Todo dia olhava da sacada o mar tão imenso que se mesclava ao céu - havia lido isso em algum lugar, agora pôde compreender- é verdade.
Um dia há de voltar..